sábado, 8 de enero de 2011

BRASIL CONTROLA A SUPERVALORIZACAO DO REAL

FREIO - BC retira US$ 7 bilhões dos bancos para conter a supervalorização do real / Victor Martins, Luciano Pires e Vicente Nunes
O governo decidiu agir para tentar frear a supervalorização do real e conter a especulação comandada pelos grandes bancos do país.
O Banco Central anunciou ontem que as instituições financeiras terão de recolher, sob a forma de depósito compulsório, parte dos dólares que vendem sem ter em caixa. Classificada como prudencial pela autoridade monetária, a medida tem como objetivo elevar a cotação da moeda norte-americana e, com isso, minimizar os impactos negativos que, desde o ano passado, prejudicam o setor produtivo e os exportadores brasileiros. O BC espera retirar pelo menos US$ 7 bilhões dos cofres dos bancos.
A partir de agora, 60% da posição vendida de câmbio que exceder o menor dos valores estabelecidos pela nova regra - US$ 3 bilhões ou o patrimônio de referência (PR) - ficará retida em espécie e sem direito a remuneração. Se, por exemplo, um determinado banco apresenta posição vendida de US$ 6 bilhões e tem um patrimônio de referência de US$ 2 bilhões, abate-se US$ 3 bilhões, aplica-se o percentual do compulsório e o resultado final será o recolhimento de US$ 1,8 bilhão. A retenção será baseada sempre no maior valor. Apesar de já estar valendo, a norma prevê prazo de 90 dias para que o mercado se adapte.
O comunicado do BC veio ontem antes mesmo da abertura da bolsa de valores e do início das primeiras negociações cambiais. A estratégia de divulgação foi monitorada de perto pela presidente Dilma Rousseff e amplamente discutida na cúpula do governo. Tudo com o aval do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, e do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Na avaliação do governo, havia a necessidade urgente de intervir diante da constatação de que a desvalorização do dólar está mais acentuada no Brasil do que no resto do mundo. O auge da especulação ocorreu na segunda-feira passada, dia da posse de Alexandre Tombini na Presidência do Banco Central. A moeda americana chegou a ser cotada abaixo de R$ 1,65.
A virada de 2009 para 2010 foi o estopim. No fim do ano retrasado, conforme dados do BC, os bancos estavam comprados em US$ 2,9 bilhões, ou seja, estavam apostando na alta do dólar e na desvalorização do real. Já no ano passado, a gangorra se inverteu e a posição vendida alcançou os US$ 16,8 bilhões. "A concentração no polo comprado ou no polo vendido não é positiva porque a gente não consegue saber com precisão qual será a taxa de dólar no futuro", explicou Aldo Luiz Mendes, diretor de Política Monetária do BC. A expectativa é acabar com as oscilações exageradas no câmbio e mirar a longo prazo. "Olhando essa medida isoladamente, ela tem um indutor de compra de dólar, de valorização da moeda", completou Mendes, advertindo que o BC não trabalha com uma cotação desejável ou com metas cambiais.
Pagando pelos erros

O choque teve reflexos imediatos: o dólar subiu pelo terceiro dia consecutivo, avançando 0,78%, para R$ 1,68. O Fundo Monetário Internacional (FMI) elogiou a medida, ressaltando que a decisão visa fortalecer o sistema bancário no Brasil diante dos ingressos cada vez maiores de capitais. "Ela pode ser uma parte apropriada do kit de ferramentas", resumiu a porta-voz do organismo internacional, Caroline Atkinson. Entre os analistas brasileiros, as impressões não foram tão definitivas assim. No geral, os especialistas consultados pelo Correio disseram que os efeitos serão limitados e que o melhor caminho para corrigir definitivamente as distorções no câmbio é cortar os gastos públicos para que o BC possa baixar a taxa básica de juros (Selic), que deve passar de 10,75% para 11,25% em 19 de janeiro próximo.

O plano do BC é reduzir a posição vendida dos bancos de US$ 16,8 bilhões para US$ 10 bilhões - um enxugamento de cerca de US$ 7 bilhões no mercado. Isso representa quase um quarto de todos os dólares que o BC comprou em 2010 (US$ 41,4 bilhões). Sidnei Nehme, economista e diretor da Corretora NGO, disse que, antes dessa atuação, o governo estimulava a valorização do real. Segundo ele, no ano passado, o Banco Central comprou todos os dólares que estavam sobrando, o que estimulou os bancos a buscarem recursos no exterior a uma taxa de 3% ao ano. Depois, vendiam a divisa para a autoridade monetária, pegavam os reais da operação e aplicavam na taxa Selic (taxa básica de juros), que está em 10,75% ao ano. A diferença era embolsada pelas instituições. "Em troca, o governo tinha o real apreciado e um cenário desinflacionário. Em contraponto, sacrificamos nossa indústria", justificou.
Para José Roberto Carreira, economista da Fair Corretora, a posição vendida dos bancos deve ficar inferior a US$ 10 bilhões. As instituições, ao fazerem o cálculo de quanto e como farão suas apostas cambiais, colocarão na conta a possibilidade do BC reduzir o limite da posição vendida de US$ 3 bilhões para uma cifra menor, deixando a operação ainda mais onerosa. "O BC vai acompanhar o dólar cotidianamente. Se o pessoal continuar a especular e o real a valorizar, outras regras e limitações podem ser implementadas", disse. Mário Paiva, analista da Corretora BGC Liquidez, advertiu que havia a necessidade mais do que clara de corrigir distorções e reequilibrar o sistema. "O receio, porém, é de que essa medida provoque um movimento artificial. O mercado é soberano e flutuante e, todo movimento que for artificial vai gerar consequências", afirmou.
CNI avalia medida como positiva

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) considerou positiva a medida anunciada ontem pelo Banco Central, que tem como alvo barrar a valorização excessiva do real frente ao dólar. A entidade que representa o setor produtivo fabril advertiu, porém, que o compulsório de US$ 7 bilhões será insuficiente para a indústria recuperar a competitividade perdida. "A instituição de um depósito compulsório para os bancos que apostam na valorização do real mostra que o BC está atento à questão do câmbio", disse Robson Braga de Andrade, presidente da CNI. Segundo ele, a decisão reduzirá o impacto de eventuais aumentos da taxa de juros (Selic).
Ordem é não dar trégua
Determinada a conter o processo de supervalorização do real ante o dólar, a presidente Dilma Rousseff avisou ao ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, e ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, que não titubeará em partir para medidas mais radicais do que a retirada de US$ 7 bilhões do caixa dos bancos, anunciada ontem pelo Banco Central. Na avaliação de Dilma, se, nas próximas semanas, o arsenal usado pelo governo não apresentar os resultados esperados, ou seja, empurrar a cotação do dólar para um patamar acima de R$ 1,70, o controle para a entrada e a saída de capitais do país será a opção mais viável.
Dilma vem sendo aconselhada a recorrer a todos os mecanismos possíveis para conter o derretimento do dólar antes de se partir para a chamada quarentena, que fixa um prazo para que os recursos estrangeiros saiam do Brasil. O argumento é o de que tal restrição pode afastar do país, além do capital especulativo, os investimentos produtivos. Mas não é só: por não dispor de uma poupança interna suficiente, a economia brasileira precisa se financiar fora no mercado internacional. A projeção oficial é de que o rombo nas contas externas deste ano passará dos US$ 60 bilhões. E, no ano que vem, o buraco encostará nos US$ 100 bilhões.
"Não adianta irmos com tudo para o ataque. O mercado de câmbio merece um acompanhamento constante. À medida que forem necessárias ações para corrigir distorções, como as que estamos vendo, agiremos imediatamente", disse um dos mais próximos assessores de Dilma. Segundo ele, além do recolhimento compulsório sobre a posição vendida dos bancos no câmbio (venda da moeda norte-americana para entrega futura), o governo pode aumentar a alíquota de 6% do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incidente sobre os investimentos estrangeiros em renda fixa. Também poderá restringir os negócios nas bolsas de valores.

Para um técnico do Ministério da Fazenda, dizer que o governo está querendo elevar a cotação do dólar no "no gogó, no grito", é subestimar a capacidade da equipe econômica de agir a tempo e a hora. "Há três dias, o dólar está em alta. E vai continuar assim, até se situar em um nível aceitável. O que não pode é continuar a farra da especulação , que custa caro para o setor produtivo", frisou.
Arsenal à disposição
Veja as medidas já tomadas pelo governo para conter a alta do real frente ao dólar
24 de março de 2010
O Banco Central unifica mais de 60 normas relativas ao mercado de câmbio em apenas uma, para simplificar as operações com recursos estrangeiros no Brasil, além de reduzir os custos das transações para as empresas. A medida permitiu que companhias mantivessem no exterior os ganhos com a venda de ações. O então presidente do BC, Henrique Meirelles, admitiu na época que a decisão facilitaria a saída de dólares do país, o que, teoricamente, poderia elevar a cotação do dólar ante o real.
Abril a setembro de 2010

O Banco Central passa a fazer dois leilões diários de compra de dólares no mercado à vista, para enxugar o excesso de recursos estrangeiros em circulação na economia. A dupla intervenção é temporariamente suspensa, mas depois retomada, já que o dólar continuou a se desvalorizar.

20 de setembro de 2010
O Banco Central reduz a duração dos leilões de compra de dólares de 10 para apenas cinco minutos.
4 de outubro de 2010
O governo dobra para 4% a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) incidente sobre investimentos estrangeiros em renda fixa (títulos públicos, principalmente).

18 de outubro de 2010

O governo eleva, de 4% para 6%, a alíquota do IOF sobre investimentos estrangeiros em renda fixa e no mercado de derivativos. Além disso, a taxação sobre as garantias dadas por estrangeiros para negócios com dólar no mercado futuro sobe de 0,38% para 6%.

20 de outubro de 2010
O Conselho Monetário Nacional (CMN) fecha brechas no mercado futuro de câmbio para evitar que os investidores estrangeiros burlem o pagamento do IOF maior.
31 de dezembro de 2010
O governo reduz impostos sobre investimentos estrangeiros em fundos de private equity (capital de risco)e sobre alguns investimentos em ações para tentar aumentar o financiamento de longo prazo no país e desestimular o capital de curto prazo, especulativo. O IOF caiu de 6% para 2%.
6 de janeiro de 2011
O Banco Central institui o recolhimento compulsório
de 60% sobre as apostas dos bancos contra o dólar. A medida poderá retirar até US$ 7 bilhões dos caixas das instituições financeiras.

Archivo del blog